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domingo, 18 de setembro de 2011

Na semana em que o chão de Minas tremeu todo!

Um historiador que no futuro se debruçar sobre os papiros modernos que registram os dias atuais terá certamente que dedicar muitas linhas e páginas aos educadores de Minas Gerais. E neste estudo, seguramente ficará impressionado com um acontecimento que sacode e faz tremer o chão de Minas: a greve de mais de 100 dias dos educadores, que lutam obstinadamente pela salvação da carreira e pela conquista do piso sonegado pelo governo de estado.

Neste estudo, o historiador não deixará certamente de dar um destaque especial à semana que antecedeu a um outro acontecimento, conhecido como o da contagem regressiva dos 1000 dias para a Copa do Mundo. O pesquisador do futuro saberá que a semana dos educadores em greve, após 100 dias de paralisação, apesar do corte e redução de salários; ameaças e chantagens dos capitães do mato do governo; das mentiras e manipulações veiculadas pela mídia comprada; da conivência dos poderes constituídos ao governo imperial; do terrorismo psicológico realizado durante todos os dias de greve, apesar de tudo isso - ou até por conta disso mesmo -, milhares de educadores resistiam heroicamente.

Numa segunda-feira, cujo calendário aponta como sendo 12 de setembro de 2011 - um dia após às homenagens ou protestos à data do atentado às torres gêmeas de 2001 e ao golpe militar no Chile de Allende em 1973 -, dezenas de bravos e bravas educadoras amanheceram acorrentados ao Pirulito da Praça Sete, bem no centro da Capital mineira. Um ato inesperado, que sacudiu Minas Gerais e revelou para o Brasil e para o mundo que o segundo ou o terceiro estado mais rico da federação tinha um governo que se recusava a cumprir uma lei federal, que instituía um mísero piso salarial para os educadores, em 2008 - exatamente 20 anos após a promulgação da Carta Magna do país, onde constava a exigência do pagamento deste piso, como forma de valorização dos profissionais da Educação.

Os acorrentados passaram um dia inteiro em greve de fome, a mostrar o quanto a Educação em Minas estava acorrentada; o quanto a liberdade em Minas estava acorrentada; o quanto a democracia em Minas estava acorrentada; o quanto os direitos dos de baixo estavam acorrentados; enquanto os de cima lambuzavam-se com os recursos arrecadados e arrancados do suor do trabalho dos de baixo.

E no mesmo instante em que os acorrentados colocavam na ordem do dia a greve que o governo e sua mídia de tudo faziam para arruinar, em uma das cidades históricas do estado, Diamantina, terra do ex-presidente JK, outro evento de protesto acontecia, em recepção ao governador daquele estranho estado analisado. Tal como acontecera em outros atos de cerco ao governador fora da lei, a polícia cercara o local do evento oficial, impedindo que o povo pobre, especialmente os educadores em greve, pudessem se aproximar do acontecimento - neste caso, a entrega de medalhas. Medalhas, medalhas, medalhas. Minas não precisa de medalhas. Minas precisa é de educação de qualidade para os filhos das famílias de trabalhadores - e isso, tal como consta da Carta Magna, só se realiza com a valorização dos educadores. De forma criativa, impedidos que foram de se aproximar da elite oficial, os educadores em greve improvisaram: soltaram balões de cor preta com faixas onde se podia ler o protesto pelo não pagamento do piso.Verá ainda, tal historiador do futuro, que a semana ali, na segunda-feira, 12, estava somente começando. Logo na terça-feira, em uma dezena de cidades do Interior, aconteciam protestos em frente às Superintendências Regionais de Ensino (SRE), onde um certo projeto de lei do governo do estado, propondo destruir a carreira dos educadores, era queimado simbolicamente pelos bravos educadores e educadoras em greve.

Enquanto isso, numa certa Casa Legislativa, dita homologativa, os ditos representantes do povo em teoria, mostravam na prática que estavam ali para representar ao governo, como fiéis seguidores de ordens do seu dono, o governador. Mas, lá se encontravam várias dezenas de educadores em greve, levantando palavras de ordem, gritando, cobrando e exigindo respeito daqueles que deveriam ouvir a voz dos de baixo, mas que se prostravam aos desejos do rei, em troca talvez de favores, recursos extras ou quem sabe até pela ausência de uma estatura moral, que revelasse um caráter ilibado, marcado por uma ética do respeito ao cidadão e a seus direitos. Qual o quê! Ali, poderá constatar o perspicaz pesquisador, tratava-se tão somente de uma casa onde aconteciam sem pudor as negociatas de salão, para o bem dos de cima, apenas.

Na quinta-feira, dia de assembleia geral da categoria, sempre numerosa, com milhares de educadores e apoiadores vindos de toda as partes de Minas Gerais, muitos viajando 5, 10 e até 15 horas para chegarem ao pátio daquela estranha casa legislativa. Verá o historiador no registro das entrelinhas que salpicavam as análises e comentários em vários blogs e anotações virtuais outras, que o clima era tenso. Muitos falavam em ocupar e fechar BRs; outros falavam em acampar no pátio da ALMG; alguns queriam até invadir uma tal cidade administrativa, obra faraônica que custara um montante invejável para aqueles tempos, algo próximo de R$ 1,5 bilhão de reais.

Mas, além da aprovação da continuidade da greve e mais uma das gigantescas passeatas pelas ruas e praças do centro de BH, o ato de fechamento da semana ainda estava por acontecer. Aquela fora de fato uma semana estranha, diferente, no mínimo. Um certo procurador dito da Justiça havia tentado por um fim à greve pedindo a ilegalidade da mesma. Mas, na quinta-feira percebera tal procurador que batera na porta errada ao tentar usar em vão o nome das crianças e adolescentes diante de um juiz com estatura moral e independência intelectual para dizer: não.

Num puxão de orelhas dado no diminuído procurador, o juiz citara um trecho de uma fala ou pensamento de um cientista moderno, segundo o qual, era preciso investir na Educação e valorizar os educadores, pois todos as figuras de destaque do mundo teriam passado pelas mãos dos professores.

Mas, para além da capacidade do procurador de entender os recados e sinais emitidos, haviam os interesses, quem sabe escusos - embora alguns julgassem se tratar de má fé, apenas -, a esconder, ou a servir. Logo no dia seguinte o tal pedira novamente, já em outra vara judicial, a ilegalidade do movimento.

Enquanto o mundo oficial dos poderes controlados pelos de cima tentava se ajeitar para destruir orquestradamente a greve dos valentes educadores, estes planejavam novas ações para reverter os ataques perpetrados pelos de cima. Todos sabiam que as elites dominantes não desejavam de maneira alguma que os grevistas conquistassem seus direitos, mesmo se tratando de direitos constitucionais. O mais importante deles: o pagamento do piso salarial nacional.

O historiador do futuro percebeu logo que estava em jogo questões essenciais para o governo e seus aliados. Politicamente, era fundamental para o governo tentar destruir a greve dos educadores, e a própria carreira deles, para que daquela área nada mais ameaçador pudesse brotar nos próximos anos. Além disso, destruir os educadores significava também um recado para os outros movimentos sociais: farei com vocês o mesmo que estou fazendo com estes revoltosos educadores, muitos dos quais se intitulando parte de um tal NDG - Núcleo Duro da Greve.

Mas, além do aspecto político e ideológico, notara o pesquisador que o governo e seus aliados estavam de olho gordo também - e talvez principalmente - na disputa do orçamento do estado. Por isso haviam proposto uma tal de Lei de Subsídio, cujo custo total para o estado era de R$ 1,2 bilhão para todos os educadores, enquanto que a implantação do piso na carreira, mesmo na forma conservadora do chamado piso proporcional do MEC, custaria aos cofres públicos não menos que R$ 3,7 bilhões de reais. Ou seja, o governo, ao não pagar o piso imposto por uma lei federal, estaria economizando R$ 2,5 bilhões anualmente para outros fins.

Não que o estado não tivesse caixa para bancar este investimento, que era direito constitucional, assegurado aos 400 mil educadores, entre ativos e inativos. Mas, outras prioridades constavam dos compromissos palacianos que envolviam a disputa dos recursos do estado por poderosos grupos econômicos, incluindo os da comunicação, os empreiteiros, os banqueiros, além dos ocupantes do alto escalão do estado. Além disso, eram esses grupos que financiavam as candidaturas aos cargos eletivos, incluindo para a presidência da República - cargo cobiçado pelo padrinho do então governador do estado.

Contudo, o governo e seus aliados e subalternos não agiam sozinhos. Logo nas primeiras horas daquela sexta-feira, 16, quando estava marcada a inauguração do tal relógio para a contagem regressiva de 1000 dias para a Copa do Mundo, e o governo apostava na destruição da greve, eis que novamente algumas dezenas de bravos educadores se acorrentaram em frente a um certo Palácio da Liberdade, que fica numa praça com igual nome: Praça da Liberdade. E ali permaneceram durante todo o dia, ao mesmo tempo em que operários da construção civil, que reformavam o Mineirão, cruzavam os braços em protesto por melhores condições de trabalho - logo no dia em que o governo de estado receberia a visita da presidenta da república.

Logo à noite, a Praça da Liberdade fora toda cercada por grades e policiais da tropa de choque, dando ao evento festivo um tom ameaçador, a revelar como as coisas em Minas e no Brasil continuam mera aparência. Uma inversão do que parece ser. Ou do que dizem ser. Não havia povo na festa dos bacanas. E os educadores, juntamente com outros segmentos populares, que foram chegando aos montes para acompanhar a festa, eram barrados na porta do baile. Era preciso ser amigo do rei para entrar. Talvez os tais três professores que na época foram recebidos pelo governo para declarar obediência servil ao rei pudessem ser recebidos e exibidos como troféus de guerra pelo déspota. Mas, os verdadeiros heróis da categoria estavam do lado de fora, aos montes, centenas de bravos e bravas guerreiras a protestar e a gritar estranhas palavras de ordem, como: "É ou não é, piada de salão, tem dinheiro para a Copa, mas não tem para a Educação".

Ficará o tal historiador impressionado com a truculência praticada pela polícia de choque do governo contra os educadores, estudantes e demais grupos sociais ali presentes. Balas de borracha, cassetete, bombas de efeito moral, gás de pimenta, foram usados em larga escala para tentar expulsar e intimidar, em vão, aos valentes educadores em greve ali presentes. Desarmados, sem coletes à prova de bala, sem treinamento militar, mas ainda assim impetuosos e ousados. Não arredaram o pé do local, pois aprenderam desde cedo que a praça era do povo, como o céu era do condor. E ali ficaram, resistindo, naquela praça que ganhara a alcunha de Praça da Repressão, onde antes tornara-se conhecida como Praça da Liberdade; ali, onde todas as liberdades - de expressão, de ir e vir, de manifestação pacífica, todas, contidas na Carta Magna e nos direitos fundamentais inspirados pelas revoluções da Era contemporânea - eram ameaçadas e sonegadas. Mas, não sem luta, não sem resistência, não sem o protesto ousado e corajoso de centenas de combativos e combativas educadores/as e demais lutadores sociais que lá se encontravam.

Qual será o desfecho dessa batalha que definirá os rumos da vida de milhares, e de milhões até, dos de baixo, e também do numericamente pequeno, mas poderoso grupo dos de cima? Seguramente, só o historiador do futuro saberá o que ocorreu naqueles dias que marcaram uma heroica greve de mais de 100 dias dos educadores de Minas Gerais. É certo que um dos lemas deles era: "Sem o piso, não voltamos para a escola". Numa luta legal e legítima, apesar de desigual, mas que contava com o envolvimento de centenas de lideranças de educadores muito dispostas a não abrirem mão dos seus direitos, é possível imaginar aquilo que o dedicado pesquisador do futuro certamente contará nas páginas do seu estudo, cujo título de um dos capítulos da narrativa recebera esta forma um tanto impetuosa: "Na semana em que o chão de Minas tremeu todo!".


E vocês, amigos leitores do presente? Que papel assumirão nesta história que será contada e recontada para muitas gerações?
Prof. Euler Conrado

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